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Aula 1 – Concepção Histórica dos Direitos Humanos de Crianças

 

Para dar início à conversa sobre os Conselhos Tutelares é importante refletirmos sobre como foram constituídas, ao longo da história, algumas concepções sobre a criança e o adolescente.

Analisar a concepção de infância e a evolução jurídica do direito da criança ao longo da história nos remete há alguns anos, quando a preocupação dos governantes era, unicamente, inibir a delinquência infantil, preservando os interesses, principalmente dos “menores” de classes pobres, negros, como forma de proteger a sociedade. Percebe-se que a infância, desde os primórdios, já se pautava pela divisão de classes. Não havia lei para proteger a criança e, por vários anos, não foi vista como propriedade.

Percebe-se, entretanto, que houve evolução, principalmente acerca do entendimento histórico e doutrinário da infância e adolescência e também quanto aos seus direitos no âmbito jurídico e social.

É nesta perspectiva que temos que refletir sobre a transformação do “Menor” (Criança e Adolescente) em Situação Irregular para a Criança e o Adolescente Sujeito de Direitos, para que possamos avançar na garantia de Direitos Humanos de Crianças e Adolescentes na atualidade.

O modelo de soberania paterna sobre as crianças, associado ao caritativismo religioso, perdurou, praticamente, por todo o período do Brasil Colônia, entre 1500 e meados de 1800.

Ainda que a sociedade patriarcal tenha assumido várias formas em função dos diferentes elementos geográficos e econômicos, Bastos afirma que existia uma “unicidade dada pela sociabilidade orquestrada pela família”.

As crianças e os adolescentes eram, então, inteiramente governados pela família, e a legislação era fundada sobre a soberania paterna. Aos pais, cabia determinar a profissão e o casamento para os filhos. As crianças, filhas de escravos, acolhidas nas portas das casas, ou dadas para criação, eram incorporadas a uma família extensa que geria uma unidade de produção.

Nesse período, segundo Guimarães (2014, p. 18), não havia um sistema legal formalizado. O Estado brasileiro não intervia no contexto familiar; somente no fim deste período, foram criadas leis para coibir castigos muito fortes que os pais davam em seus filhos. O que se destacava neste contexto era a caridade de igrejas para impetrar os bons costumes e o controle social para as condutas das crianças.

No tocante à origem dos direitos fundamentais, há registros entre a Declaração de Direitos do Povo da Virgínia, de 1776, e a Declaração dos Direitos do Homem, proclamada em 2 de outubro de 1789, na França. E, “posteriormente, a aprovação da Declaração Universal dos Direitos Humanos, proferida em 1948, pela Assembleia Geral das Nações Unidas, deu um novo rumo aos direitos fundamentais”.

Prates (2011, p. 12) comenta que é apenas no século XX que a criança e o adolescente começam a ganhar espaço no sistema legislativo, ou seja, quando iniciam as preocupações com a tutela dos interesses desses menores. Tanto é que, no ano de 1924, foi adotada pela Assembleia da Liga das Nações, a Declaração de Genebra dos Direitos das Crianças, a qual, embora não tenha sido o suficiente para o verdadeiro reconhecimento internacional dos direitos das crianças, não deixou de ser um “pontapé” inicial para que isso ocorresse.

No entanto, os direitos da Infância e a Adolescência passaram a ser reconhecidos universalmente, por meio da Declaração Universal dos Direitos da Criança, no ano de 1959. Esse documento, conforme Amin (2008 apud PRATES, 2011, p. 12), instituiu, dentre outros princípios: proteção especial para o desenvolvimento físico, mental, moral e espiritual; educação gratuita compulsória; prioridade em proteção e socorro; proteção contra negligência, crueldade e exploração; proteção contra atos de discriminação.

As crianças e os adolescentes passaram um grande período na história brasileira sem ter o devido amparo judicial e político, constando poucos registros e referências até o início do século XX.

A partir da situação de agravamento da questão social, no ano de 1927, instituiu-se o primeiro Código de Menores de Mello Mattos. Ataíde e Silva (2014) revelam que esse código regia a Doutrina da Situação Irregular e atuava de forma moralista e repressiva, de modo que crianças e adolescentes vítimas de abandono, maus-tratos, em situação de miserabilidade ou infratores eram consideradas em Situação Irregular e seriam assistidas por este código na perspectiva.

“O menor, de um ou outro sexo, abandonado ou delinquente, que tiver menos de 18 anos de idade, será submetido pela autoridade competente às medidas de assistência e proteção contidas neste Código” – Código de Menores – Decreto N. 17.943 A – de 12 de outubro de 1927.

Entre 1930 e 1945, a assistência à infância era uma questão de defesa nacional. Rizzini (1995, apud SILVEIRA, 2003, p. 25) aponta que o então presidente Getúlio Vargas expressava as grandes preocupações das elites da época com relação à assistência à infância, tais como a defesa da nacionalidade e a formação de uma raça sadia de cidadãos úteis.

Em 1940, o Departamento Nacional da Criança (DNCr) articulou o atendimento às crianças, combinando orientação higienista com campanhas educativas, serviços médicos e assistência privada. E em 1941, surgiu o Serviço Nacional de Assistência a Menores (SAM), instituição vinculada ao Ministério da Justiça e aos juizados de menores, para orientar e fiscalizar educandários particulares, investigar os “menores” para fins de internamento e ajustamento social, proceder exames médico psicopedagógicos, abrigar e distribuir os “menores” pelos estabelecimentos, promover a colocação de “menores”, incentivar a iniciativa particular de assistência a “menores” a estudar as causas do abandono (SILVEIRA, 2003, p. 26).

Silveira acrescenta que, em 1942, a Legião Brasileira de Assistência (LBA), por iniciativa da Sra. Darcy Vargas, apareceu para gerar serviços de assistência social, em particular às famílias dos brasileiros convocados na guerra.
Garantia estímulo às creches, auxílio aos idosos, a doentes e grupos de lazer, propondo-se a favorecer o reajustamento das pessoas, moral ou economicamente desajustadas, proteger a maternidade e a infância” (SILVEIRA, 2003, p. 26).

Além do SAM, algumas entidades federais de atenção à criança e ao adolescente, ligadas à figura da primeira dama, foram criadas. Alguns destes programas visavam ao campo do trabalho, sendo todos eles atravessados pela prática assistencialista.

Na década de 1950, foi instalado o primeiro escritório do UNICEF no Brasil, em João Pessoa, na Paraíba. O primeiro projeto realizado no Brasil destinou-se às iniciativas de proteção à saúde da criança e da gestante em alguns estados do Nordeste do país.

No período do governo Kubitschek, originaram-se estratégias abarcando a saúde da criança, a participação da comunidade, apoiada pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) e pela Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), com o estabelecimento de Centros de Recreação. Nesse período, o Serviço Nacional de Assistência a Menores foi apontando como um sistema desumano, ineficaz e perverso, além da superlotação e falta de cuidados de higiene (SILVEIRA, 2003).

Para Costa (1990, apud SILVEIRA, 2003, p. 28), essa mentalidade cristalizou-se no SAM com resultados que a imprensa dos anos 50 divulgou por todo o país. O estabelecimento menorista era chamado de ‘sucursal do inferno’ e ‘escola do crime’ entre outras coisas.

Em 1961, o presidente Jânio Quadros sugeriu a extinção do SAM, criando a Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor (FUNABEM), aprovada pelo Congresso em primeiro de novembro de 1964, durante o contexto da ditadura militar (SILVEIRA, 2003). Para Rizzini (1995, apud SILVEIRA, 2003, p. 28), a mudança de uma estratégia repressiva para uma estratégia integrativa e voltada para a família tem um novo ordenamento institucional dentro de um governo repressivo […]”.

As diretrizes da Política Nacional de Bem-Estar do Menor (PNBEM) foram efetivadas pela FUNABEM, na esfera federal, e pelos órgãos estaduais executores, FEBEMs. Em Santa Catarina, passou a ser chamada de FUCABEM – Fundação Catarinense do Bem-estar do Menor (SILVEIRA, 2003). A PNBEM voltava-se para famílias que apresentavam “[…] situação de baixa renda, de pouca participação no consumo de bens materiais e culturais, de incapacidade de trazer a si os serviços de habitação, saúde, educação e lazer” (RIZZINI, 1995, apud SILVEIRA, 2003, p. 30).

Na década de 1970, a assistência à criança e ao adolescente era voltada para a educação popular e o método Paulo Freire, visto que incentivavam o aprendizado da leitura e da escrita, oportunizando um despertar crítico e a consequente elaboração de um projeto coletivo de organização social (SILVEIRA, 2003). Conforme Gramsci (1989, apud SILVEIRA, 2003, p. 34), “[…] toda geração educa a nova geração, isto é, forma-a; a educação é a luta contra os instintos ligados às funções biológicas elementares, uma luta contra a natureza, a fim de dominá-la e de criar o homem ‘atual’ à sua época”. Quanto à PNBEM, a assistência passou a não ser vista como uma intimidação social, prevalecendo a concepção assistencialista. Percebia-se a criança e o adolescente como “carente” biopsicossocial e culturalmente (SILVEIRA, 2003).

A partir da década de 1975, apareceram novos horizontes na esfera social, reivindicando direitos, apreciando o exercício social presente no cotidiano popular.

A PNBEM se dissipou frente às exigências sociais, contidas nas ponderações da FUNABEM, reconhecendo-se as falhas da política social existente. O fracasso do sistema FUNABEM vinculou-se à concepção híbrida do serviço de correção, repressão e assistencial, apontada por um sistema gestor centralizador e vertical, representando os estereótipos do cuidado voltado à criança e ao adolescente, como um “feixe de carências” (SILVEIRA, 2003).

Verifica-se que, a partir da segunda metade da década de 1970, as políticas praticadas, até então, no sentido de melhor atender crianças e adolescentes sofreram fortes críticas e pressão por parte da população, que exigia mudanças no campo do atendimento aos menores. Esse fato levou a se instalar uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) no Congresso Nacional em 1975. Essa CPI apontou a existência de crianças e adolescentes abandonados em 87,17% dos municípios, e revelou uma significativa situação de pobreza como a fundamental razão declarada por 90,28% dos municípios para essa conjuntura de abandono (SILVEIRA, 2003).

Em 1979, um novo caminho no tocante ao direito da criança e do adolescente foi estabelecido pela Lei nº 6.697/79, de 10 de outubro de 1979, que instituiu o Código de Menores. Ocorreu, também, o Ano Internacional da Criança, marco que estimulou o surgimento de ações não oficiais em prol da criança e do adolescente envoltos em situações de exclusão social. Esse impulso, na opinião de Silveira (2003, p. 41), evidencia-se na “[…] proliferação de programas de atendimento a crianças e adolescentes, numa perspectiva libertadora enquanto princípio, com práticas pedagógicas ‘alternativas’, ainda sob grande influência da teologia da libertação e das propostas pedagógicas do educador Paulo Freire”.

Na esfera social, multiplicaram-se ações de contendas e de represálias por parte de estudantes, do movimento popular e sindical, de mulheres, com a adesão de setores progressistas da Igreja Católica – Comunidade Eclesial de Base (CEBs) e a Comissão de Justiça e Paz –, da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), do Movimento de Direitos Humanos, do Movimento Feminino pela Anistia, entre outros.

Nesse contexto, percebeu-se “[…] uma diversidade dos movimentos e grupos contestatórios, diversidade inerentes às condições e às especificidades que envolvem cada um deles e o marcante empenho, por parte destes, em manter sua autonomia” (SILVEIRA, 2003, p. 41).

Mediante esse contexto, verificou-se uma grande mobilização por parte de entidades não-governamentais, mas que trabalhavam e batalhavam pelos cidadãos menos favorecidos, dentre eles, as crianças e os adolescentes.

Quanto aos movimentos, predominavam valores da justiça social e de solidariedade entendidos por Sader (1995, apud SILVEIRA, 2003, p. 42) como “[…] o repúdio à forma instituída da prática política, encarada como manipulação, teve por contrapartida a vontade de serem ‘sujeitos da sua própria história’, tomando nas mãos as decisões que afetam suas condições de existência”.

Nas décadas de 1970 e 1980, esse fato começou a tomar novos rumos. A conjuntura da sociedade brasileira passou por um processo de democratização, no qual se levantaram questões pertinentes da cidadania e dos direitos. O cenário brasileiro na década de 1980 compreendeu: um clima de efervescência, com o processo de transição político-democrática, com o (novo) sindicalismo, com o movimento das “Diretas Já”, com o movimento pela anistia e com lutas por direitos trabalhistas, sociais, políticos e civis. A política brasileira, em meados dessa década, tinha como marco a Nova República, que intencionava o exercício da democracia, da cidadania e da regulamentação do Estado de direito. Como reflexo deste contexto, no campo da infância ocorreu uma ampla mobilização nacional, com repercussão internacional, que visava à defesa dos direitos de crianças e adolescentes e lutava por mudanças no Código de Menores, na mentalidade social e nas práticas judiciais e sociais dos órgãos do Estado que implementavam a política destinada a esse segmento.

Na década de 1980, passou a existir, no Brasil, um significativo movimento em prol de uma nova concepção da infância e adolescência, buscando desenvolver uma nova consciência e postura frente a essa população, destacando-se os esforços empreendidos pela Pastoral do Menor; Frente Nacional de Defesa dos Direitos das Crianças e dos Adolescentes; Movimento Nacional Meninos e Meninas de Rua; Comissão Nacional Criança e Constituinte, entre outros.

Permeando a década de 1985, os movimentos sociais se atinham às violações aos direitos humanos com maior intensidade e engajamento. Na esfera das crianças e dos adolescentes, multiplicavam-se as denúncias, os atos e os descontentamentos populares em prol da defesa de seus direitos. Houve reação contra as diretrizes jurídicas (Código de Menores) e políticas (Política Nacional de Bem-Estar do Menor) vivenciadas nesse período, sugerindo o fortalecimento democrático das políticas de atenção às crianças e aos adolescentes.

O Movimento Nacional Meninos e Meninas de Rua – MNMMR, é uma organização não-governamental, autônoma e de voluntariado, que atua na defesa e promoção dos direitos das crianças e dos adolescentes em situação de rua no Brasil, constituindo-se, desde sua criação, como uma rede de pessoas das mais variadas atividades, com atuação unificada e em diversos estados. Seu surgimento está vinculado às denúncias das diferentes formas de violência e de violações de direitos inerentes da pessoa, calcando-se na Declaração Internacional dos Direitos da Criança.

Em 1987, havia um contexto de vulnerabilidade, considerando-se que a infância estava sendo “roubada” – pela falta de assistência da família, da sociedade e principalmente do Estado –, e que havia inúmeras manifestações da sociedade civil. Isso resultou na criação da Comissão Nacional Criança e Constituinte, formada por representantes das organizações governamentais e não-governamentais, levantando sugestões que procuravam concretizar os direitos de crianças e adolescentes, o que culminou especialmente em mudanças no discurso sobre a infância na produção da Constituição Cidadã de 1988.

Simultaneamente ao texto constitucional, estruturava-se a proposta de texto para a legislação complementar substitutiva do Código de Menores para o Estatuto da Criança e do Adolescente. O cenário político e social atentava para a descoberta do significado da ação coletiva no curso da História, enquanto reabertura de um espaço coletivo reiteradamente negado pelo Estado, e por onde foi possível pensar a sociedade e a política não mais como objetivação das estruturas ou da ação do Estado, mas como cenário criado e recriado pelas práticas de sujeitos em conflito. O que não é pouco, quando se pensa a tradição de um país em que as lutas políticas sempre estiveram voltadas para o Estado, visto como espaço exclusivo e único do acontecer da História. (TELLES, 1994, p. 65).

Em razão da realidade econômico-político-social, iniciaram-se duras críticas frente ao atendimento prestado pela Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor (FUNABEM), criada e regida pela Lei Federal nº 4.513/64, que possuía o intento da formulação e implementação da Política do Bem-Estar do Menor (PNBEM) em todo o território nacional. Guimarães (2014, p. 13) revela que a instituição se transformou em uma vasta empresa destinada a ocultar a realidade, porque construíram imensos estabelecimentos carcerários para menores, sem os dotar de meios educativos, ou seja, uma instituição criada para realizar a ressocialização da criança e do adolescente, oferecendo a ele meios educativos para mudar a realidade expressamente vivida por ele, acaba por reafirmar de uma forma arbitrária o mesmo contexto de negação de direitos.

No dossiê sobre mortes violentas no Brasil, levantado pelo MNMMR e pelo Instituto Brasileiro de Análise Sociais e Econômicas (IBASE), verificou-se que, entre os meses de janeiro e julho do ano de 1989, foram apontados 82 casos de mortes de crianças e adolescentes brasileiros, vítimas de grupos organizados de extermínio. Percebe-se que em números exatos os dias de hoje continuam a perpetuar as mortes violentas de meninos e meninas.

Constituição de 1988, um novo olhar sobre a criança e o adolescente.

Em abril de 1987, Ulysses Guimarães convidou a população a participar da Assembleia Constituinte e sugerir emendas populares. Temos, então, o início de um dos capítulos mais bonitos da história do Brasil: grupos começam a se articular e pensar no que gostariam que estivesse contemplado na Constituição. Há um clima novo de democracia no ar, e as pessoas se apropriam da inigualável sensação de liberdade, participação e poder popular. São mulheres, agricultores, operários, religiosos, indígenas e crianças tomando, todos os dias, os espaços do Congresso Nacional.

Até então, a legislação brasileira, em geral, se concentrava apenas em crianças e adolescentes no âmbito de vulnerabilidades sociais, com forte viés punitivista. Aproveitando o momento, organizações engajadas com a infância começaram um conclame de toda a sociedade em prol da ‘Emenda da Criança, Prioridade Nacional’. E, assim, crianças e adolescentes tomaram conta do Congresso Nacional para entregar mais de um milhão de assinaturas coletadas. Os legisladores constituintes, demandados, aprovaram, por unanimidade, o artigo 227.

Junto com outras entidades, a mobilização cidadã deu origem aos artigos 227 e 228 da Constituição, e a partir da mobilização social, pavimentou-se o caminho para a promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente.

Art. 228. São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas da legislação especial

FOI A PRIMEIRA VEZ QUE OS DIREITOS DA INFÂNCIA E ADOLESCÊNCIA ESTAVAM EM UMA LEI NO BRASIL

Em meados da década de 1990, o período histórico demandava novos personagens, novas práticas políticas, no intuito de proporcionar e estabelecer novos princípios frente ao comando das políticas públicas e sociais e das representações sociais, desfazendo as marcas em relação a crianças e adolescentes.

Para designar a constituição dos movimentos sociais como sujeitos de transformações sociais entre as décadas de 1970 e 1980, positivamente, o Brasil ratificou os seguintes tratados:

a) Convenção Interamericana para prevenir e Punir a Tortura, em 20 de julho de 1989;
b) Convenção sobre os Direitos da Criança, em 24 de setembro de 1990;

c) Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, em 24 de janeiro de 1992;
d) Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, em 24 de janeiro de 1992;
e) Convenção Americana dos Direitos Humanos, em 25 de setembro de 1992;
f) Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, em 27 de novembro de 1995.

No dia 13 de julho de 1990, “nasceu” o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), por meio da Lei nº 8.069/90, fruto de enorme mobilização dos movimentos sociais, de uma década de luta, no intuito de efetivar os direitos de crianças e adolescentes, não mais firmados em um código ultrapassado e conservador, mas baseados em uma nova lei, apontando a proteção integral e o reconhecimento de crianças e adolescentes enquanto sujeitos de direitos; aqui nasce a era dos Direitos de Crianças e Adolescentes.

A admissão do Estatuto da Criança e do Adolescente apontou para novas percepções e teorias a serem aceitas, recepcionadas e efetivadas em prol da população infanto-juvenil. Esse instituto idealiza crianças e adolescentes como sujeitos de direitos, consagrando sua situação característica de sobrevivência e afiançando-lhes irrestrita preferência (SILVEIRA, 2003). Mediante esse contexto, Amaral (1996, apud SILVEIRA, 2003, p. 61) aduz que a Lei nº 8.069, de 13 de outubro de 1990, criou uma “[…] nova Justiça da Infância e da Juventude. Ela estabeleceu o Estado democrático de direito em esfera onde esteve ausente desde a nossa formação histórica. Ela aboliu o arbítrio e o subjetivismo, consagrando o Direito e dignificando a Justiça”. Nesse caminho, verifica-se que o ECA designou novas concepções e conteúdos no intuito de consagrar o Direito e dignificar a Justiça frente a situações vivenciadas pelas crianças e pelos adolescentes.

A implementação integral do ECA ainda representa um desafio para todos aqueles envolvidos e comprometidos com a garantia dos direitos da criança e do adolescente. Antônio Carlos Gomes da Costa, em um texto intitulado “O desafio da Implementação do Estatuto da Criança e do Adolescente”.

Em 1990, também foram instituídas as seguintes regulamentações, com base nos direitos sociais: Lei Orgânica da Saúde – LOS (Lei Federal nº 8.080/90); a criação do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente – CONANDA (Lei Federal nº 8.242/91); a Lei Orgânica da Assistência Social – LOAS (Lei Federal nº 8.742/93); a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDBEN (Lei Federal nº 9.394/96); a Lei Orgânica de Segurança Alimentar – LOSAN (Lei Federal nº 11.346/06); além da recente integração dos serviços sociais, por meio do Sistema Único de Assistência Social – SUAS.

Esses aparatos legais criaram condições para atender às necessidades primordiais da população, em especial as crianças e os adolescentes. Efetivamente, os anos 1990 inauguram um conjunto de Leis que reconhece a Criança e o Adolescente como sujeitos de Direitos, consolidando a Democracia.

Personagem do Estatuto da Criança e do Adolescente

Irmã Maria do Rosário foi uma das relatoras do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e, durante a Assembleia Nacional Constituinte, nos anos 1980, frequentemente viajava de São Paulo a Brasília para dialogar com os congressistas sobre a necessidade de garantir os direitos das crianças e dos adolescentes na Constituição Federal.
Durante um evento promovido pela Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, em 2015, nas comemorações dos 25 anos do ECA, a Irmã reafirmou sua preocupação com a efetiva aplicação do Estatuto: “Houve um período em que o ECA foi mais acolhido, valorizado e implantado. Depois, houve uma dispersão dos atores iniciais”.
Irmã Maria do Rosário faleceu em abril de 2018.


Referências

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ASSIS, Simone Gonçalves de et al. Teoria e prática dos conselhos tutelares e conselhos dos direitos da criança e do adolescente. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2009.

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______. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 13 jul. 1991. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm. Acesso em: 13 set. 2019.

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