Vivemos uma profunda crise nas finanças das prefeituras brasileiras, o que também é verdade para a maioria dos estados. A gravidade dessa crise é decorrente de vários aspectos que se combinam, sendo necessário examinar sua natureza, para mitigar seus efeitos imediatos, e enfrentar suas características estruturais.
Recessão Econômica, Emenda Constitucional nº 95/2016 e seu Rebatimento na Ação Pública
A atual situação de recessão econômica, simultaneamente, provoca forte redução nas receitas dos entes federativos subnacionais. Com o crescente desemprego e a queda na renda das famílias trabalhadoras, leva também a uma migração dos serviços privados para os serviços públicos, ampliando a pressão sobre a capacidade de as prefeituras responderem com uma oferta condizente, em quantidade e qualidade, a essa migração. Cresce a demanda por serviços, como saúde, educação ou assistência social.
A queda nas receitas e o aumento na demanda por serviços públicos provocam uma degradação dos mesmos. A maioria das prefeituras vem tendo dificuldades com suas folhas de pagamento de pessoal, quando não atrasam os salários dos servidores. Vai crescendo o atraso no pagamento dos fornecedores, o que acaba piorando com um decorrente aumento nos preços dos produtos e serviços comprados pelo poder público, ou mesmo sua perda de qualidade. Para algumas prefeituras, inclusive, tem-se colocado uma situação agravada pelas novas regras de pagamento de seus precatórios.
A manutenção urbana, ademais dos serviços prestados diretamente aos munícipes, vai-se precarizando. É perceptível, em boa parte das cidades, a degradação de ruas e praças, o mato tomando conta dos equipamentos públicos, a drenagem urbana obstruída por falta de manutenção, os edifícios públicos e outros equipamentos em deterioração, o maquinário sendo sucateado, as estradas vicinais sem conservação.
Com a crise econômica, os repasses dos estados e da União para os municípios vêm sofrendo restrições, tanto nas transferências constitucionais quanto nas voluntárias. O Governo Federal conduz uma enorme recentralização das receitas na sua esfera e, ao lado disso, afasta-se rapidamente de seu papel na normatização, no financiamento e na implantação das políticas públicas. Há um enorme desmonte do Estado e da garantia dos direitos de cidadania. A autonomia dos municípios, que se constituiu nos preceitos da Constituição de 1988, vem sendo retirada parcialmente1.
Não bastassem os efeitos da crise econômica, em 2016, foi aprovada e promulgada a Emenda Constitucional 95, a chamada emenda do Teto dos Gastos Públicos, que os congela por vinte anos, apesar de não congelar o pagamento dos juros e amortizações da dívida pública. Os gastos primários, assim, passam a ser corrigidos apenas e tão somente pela inflação (IPCA) do exercício anterior, sem levar em conta qualquer crescimento da Receita da União, ou crescimento populacional, o que equivale, na prática, a uma constante redução do gasto per capita, além de uma constante redução do peso proporcional desses dispêndios no Orçamento da União.
Essa emenda atinge profundamente as Transferências Constitucionais ou Voluntárias da União para os serviços públicos em que esta tem participação, como são os casos da saúde, da educação e assistência social. Afeta fortemente as prefeituras, por sua incidência sobre o SUS, o SUAS e o FUNDEB, além de outras transferências para as demais políticas públicas, como saneamento, habitação etc.
Cabe também destacar que o FUNDEB tem validade até 31/12/2020, e a discussão em Brasília de seu novo modelo afeta diretamente as prefeituras, com impacto desastroso para as finanças estaduais e municipais, caso não seja implantado a partir de 01/01/2021.
Como as despesas das prefeituras tendem a aumentar com o crescimento da população, com o aumento da demanda por substituição dos atendimentos privados, derivada do aumento do desemprego ou queda dos rendimentos da população, os serviços estão sendo precarizados, e a inadimplência vem crescendo na maior parte das cidades.
Desequilíbrio do Federalismo Fiscal
Um outro aspecto das dificuldades de financiamento da ação pública, que existe independentemente da crise econômica e da EC-95, diz respeito ao impacto de alguns preceitos constitucionais, seja pelas mudanças que vão ocorrendo na economia local, no decorrer do tempo, seja pela própria incongruência da norma. Várias regras existentes de distribuição das receitas compartilhadas, seja pela União (Fundo de Participação dos Municípios, Imposto Territorial Rural, royalties sobre extração de petróleo), seja pelos estados (ICMS, IPVA) aos municípios, criam assimetrias muito importantes. Para ilustrar, os casos de partilha, pela União, do FPM e dos royalties, ou pelos estados, com o ICMS e o IPVA.
No caso do FPM, privilegia-se os municípios de pequeno porte, beneficiados pela existência de parcela mínima, o que tem lógica. Por outro lado, penaliza-se municípios de maior porte, não capitais estaduais, mas que têm baixa receita própria ou outras transferências constitucionais, como é o caso das cidades-dormitório, particularmente em regiões conturbadas, onde a localização das atividades econômicas concentra-se em um ou alguns dos municípios e a população trabalhadora de baixa renda, em outros.
Quando se trata da partilha dos royalties, acaba existindo um pressuposto de que o impacto da exploração atinge somente os municípios ou estados em cujo território se dá a exploração, o que não é verdade. Além disso, no caso da definição do Mar Territorial dos estados e dos municípios litorâneos, as regras não somente privilegiam os litorâneos, como, mesmo entre estes, a regra das “projeções ortogonais” 2 para a definição das fronteiras no mar produz enorme variação na recepção dos royalties. É questionável que a distribuição dos royalties seja majoritariamente definida pela localização das bases de exploração do petróleo. Os critérios alternativos que tramitam no Congresso não resolvem essa pendência.
Nos tributos estaduais transferidos, particularmente no caso da definição dos Índices de Participação no ICMS, os critérios existentes privilegiam os municípios produtores de maior valor adicionado, em detrimento dos municípios pouco produtores, mas de grande população. Para se ter ideia, a Constituição Federal estipula que esse índice deve ser definido por legislação estadual, levando em conta, em pelo menos três quartas partes, o valor adicionado no local. Esse critério constitucional, sozinho, é responsável por enormes diferenças de ICMS per capita entre os municípios. Isso é bastante gritante quando se observam as transferências de ICMS aos municípios com grandes unidades produtoras, como as refinarias de petróleo ou grandes usinas hidrelétricas, em contraste com as transferências para os demais, particularmente os municípios-dormitório, nas periferias das Regiões Metropolitanas.
Com todos esses movimentos de desmonte do Pacto Federativo, voltam a crescer as desigualdades sociais e regionais.
Receitas Próprias
Existe grande disparidade entre as cidades no peso relativo de suas receitas próprias, seja por causa do seu perfil, seja, em muitos casos, pelo receio de que mexer nesses tributos possa ser razão de desgaste político do governo.
O Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN), é um tributo econômico, cuja arrecadação depende de duas variáveis. Uma, referente ao perfil do setor de serviços do município, outra, às alíquotas que são fixadas para esses serviços. No âmbito local, é muito comum que o perfil dos serviços derive da sofisticação da economia em geral, o que torna os municípios mais pobres pouco dependentes dessa receita. Para as alíquotas, quando mais baixas do que o permitido pela Constituição, normalmente representam salvaguarda ligada a alguma forma de guerra fiscal ou benesse a determinados ramos da economia de serviços, muitas vezes promovidas por compadrio. No caso da guerra fiscal, alíquotas demasiado baixas, valendo-se do artifício da redução da base de cálculo para a incidência do tributo, são utilizadas para atrair sedes, físicas ou, em boa parte das vezes, virtuais, de grandes ramos de negócios, como os bancos e financeiras, ou outras empresas de grande porte, de variados segmentos.
No caso do Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU), que é definido pelo valor do bem imóvel, quanto mais pobre o município, menos importante acaba se tornando esse tributo. Além disso, o IPTU acaba sendo regressivo quando cobrado por meio de alíquotas únicas, que é o caso de grande parte das cidades. Tributos sobre patrimônio e renda, para serem socialmente justos, devem obedecer a alguma forma de progressividade, tendo em vista que impostos sobre consumo acabam sendo fortemente regressivos.
Desafios dos novos governantes
Como já abordado, a estrutura da despesa das prefeituras não obedece à mesma maleabilidade da receita. O perfil dos serviços, bem como a estrutura salarial e de tamanho do pessoal contratado, o serviço da dívida, as parcelas dos financiamentos já contratados, não são despesas que se adequem rapidamente a novos patamares da receita. Além disso, a demanda por serviços públicos é pouco flexível, e vem aumentando nestes tempos de crises. Exatamente pelo comportamento dessas duas variáveis, receita e despesa, tem ocorrido, na maior parte das cidades, uma degradação da prestação de serviços públicos. Essa realidade impõe, para os novos governantes, desafios de enorme monta. Como governar nestes tempos de crises e restrições? Como criar condições de melhora nas condições de vida da população governada?
Não há mais como valer-se das políticas do governo federal, com o enorme desmonte do Estado que vem ocorrendo. As prefeitas e os prefeitos precisam, mais do que nunca, perceberem-se como lideranças políticas, não apenas como gestores públicos. Sua atuação deve obedecer a uma agenda cada vez mais complexa, de busca de um novo modelo de gestão, de novas soluções administrativas, de enfoque dos serviços públicos, e também contemplar uma agenda política que transcenda os limites das fronteiras municipais, conforme orientado no Eixo Gestão Ética, Democrática e Eficiente.
Os novos governantes municipais têm, diante de si, o grande desafio de atuar como agentes de defesa da Federação, dos direitos sociais, da boa política pública e da cidadania. Precisam preparar-se, assim, para assumir forte papel de agentes políticos, nas frentes internas aos municípios que governam, como também papel regional e nacional.
Otimização das Receitas Próprias
As prefeituras, de um modo geral, independentemente de seu porte e perfil, possuem algum potencial de fortalecimento de suas receitas próprias. A maior parte delas possui uma dívida ativa que se formou por negligência ou por incapacidade de cobrança. Essa é uma das frentes na qual se pode atuar, criando-se mecanismos de cobrança mais ágeis do que os atualmente existentes. É comum as prefeituras desenvolverem os constantes REFIS (mecanismo que se destina a regularizar créditos decorrentes de débitos relativos ao não pagamento de tributos pelo contribuinte), que são praticamente inócuos, quando não conectados à implantação de sistemas de fiscalização e de cobrança mais ágeis e poderosos. Neste cenário, os REFIS acabam sendo indutores de inadimplência futura.
Outra frente importante diz respeito ao perfil dos tributos próprios, particularmente o ISSQN e o IPTU. Estes impostos precisam ser observados simultaneamente como potencial melhoria das receitas próprias, além instrumentos de justiça fiscal.
Uma melhor receita de IPTU precisa combinar simultaneamente a implantação de patamares de progressividade das suas alíquotas, de modo a incidir mais fortemente sobre os imóveis de maior valor, com um bom cadastro imobiliário, que permita à Prefeitura ter mais conhecimento e controle quanto a características e tamanhos de terrenos e prédios. Esta atualização cadastral, muitas vezes, demanda algum investimento em levantamento aerofotogramétrico e em solo, em municípios de maior porte. Mesmo em pequenos municípios é possível e necessário buscar essa receita, por mínima que esta seja. Alguma equipe própria ou pequenas contratações podem resolver, sem aerofotogrametria. É muito comum, em pequenos municípios, desprezar-se essas receitas e aumentar fortemente a dependência em relação às transferências do FPM. O IPTU, além disso, pode jogar papel indutor de justiça fiscal (o que se pode chamar de IPTU Social), como incentivador de posturas públicas. Interessante também estudar a implantação do chamado IPTU Verde, que incentiva ações de preservação ambiental, como permeabilidade do solo ou ampliação de áreas com vegetação.
Cabe destacar, ainda, a importância da atualização periódica da Planta Genérica de Valores que sustenta a Base de Cálculo do IPTU, em função da dinâmica de valorização dos imóveis, no decorrer do tempo, fruto das alterações que se vão verificando na cidade, seja pela ação da atividade imobiliária, seja pela ação do poder público. Como essa atualização impacta sobre o valor do imóvel e, consequentemente, do IPTU e ITBI, apesar de resistências políticas, ela é fundamental para consolidar mecanismos de justiça fiscal e preservar a importância desses dois tributos na receita municipal.
Quanto ao ISSQN, além de uma boa estrutura de fiscalização, é importante um bom estudo sobre o impacto de alterações de alíquotas. Estas são importantes tanto para incentivar a regularização de pequenos negócios, como evitar a fuga de atividades maiores atraídas por alíquotas melhores em municípios que ofereçam essa atratividade. Mas é muito importante trabalhar contra a chamada guerra fiscal, pois, no agregado dos municípios, ela conforma um jogo de soma negativa. Parte da guerra fiscal existente tem caráter inclusive ilegal, quando ocorre com redução da base de cálculo para a incidência do tributo. A formação desses “paraísos fiscais” acaba sendo de interesse apenas de grandes conglomerados de prestação nacional de serviços, como é o caso das empresas financeiras.
Esse fenômeno também se dá entre os estados, com as alíquotas do ICMS e do IPVA. No caso do ICMS, que incide sobre a origem territorial do bem produzido ou comercializado, tem-se utilizado a atratividade das alíquotas baixas ou isenções para trazer plantas industriais para o estado. Em se tratando do IPVA, as grandes frotas de veículos buscam seu emplacamento em estados que oferecem esse tipo de vantagem. Enfim, a guerra fiscal é fortemente danosa para as finanças públicas e deve ser combatida.
Um tributo federal compartilhado com os municípios é o Imposto Territorial Rural (ITR), que deve ter 50% de sua arrecadação distribuída para o município onde teve origem. É possível, por meio de convênio com a Receita Federal, ter a competência arrecadatória repassada para a municipalidade, sob a garantia de que essa transferência de competência não implique em redução do tributo cobrado ou renúncia fiscal. Nesta hipótese de se estabelecer o convênio, a arrecadação total passa a ser destinada ao município conveniado.
Da mesma forma que se deve agir em relação a esses dois tributos, as demais receitas próprias devem ser otimizadas, sempre respeitando os equilíbrios social e econômico. Deve-se estudar o perfil dessas receitas e reorganizá-las. É o caso das taxas por serviços da municipalidade, das multas por descumprimento de posturas, dos preços públicos e tarifas. Também aí é fundamental constituir um bom poder fiscalizatório e mecanismos de combate à sonegação.
Emendas Constitucionais
Uma fonte de recursos para as prefeituras que vêm crescendo de volume, importância e impacto no financiamento da ação pública local são as emendas parlamentares. O caráter impositivo dessas emendas cada vez mais se alastra do orçamento da União para os orçamentos estaduais e boa parte dos municipais, impactando no planejamento e na execução das políticas públicas e reduzindo a possibilidade de efetivarem-se prioridades e intersetorialidade nas ações governamentais.
O arbítrio das emendas impositivas pelos mandatos parlamentares, individuais ou coletivos, produz alto impacto político e partidário, fortalecendo os vínculos entre parlamentares e os municípios, ou os segmentos sociais locais, atrelando e subordinando os interesses municipais.
Diante do crescente peso que as emendas impositivas vêm ganhando no financiamento das prefeituras, inclusive como contraponto à queda das receitas previstas na Constituição, coloca-se a necessidade imperiosa de que passem a ser tratadas, pelas nossas prefeituras, como processos negociais subordinados ao planejamento das ações públicas, com a mesma lógica política, inclusive participativa, do planejamento geral do governo local.
Garantia da boa política pública
Apesar de um forte engessamento histórico, tanto das despesas, decorrentes da sedimentação da máquina administrativa e das demandas públicas, quanto do perfil histórico da receita, sempre há algum espaço para uma melhor adequação das mesmas. Algumas das grandes despesas podem e devem sofrer ajustes, buscando-se garantir que os serviços não sofram prejuízos ou que tenham estes minimizados. Fundamental criar sistema de definição das despesas da gestão municipal, concentrando seus recursos nas ações consideradas prioritárias. Também deve fazer parte das preocupações dos e das dirigentes municipais a importância da inovação, seja na atual prestação de serviços, seja na introdução de novos serviços, notadamente aqueles que demandam poucos recursos.
Alguns questionamentos podem ser feitos para a adequação da prestação dos serviços ao perfil da disponibilidade de recursos que, por sua vez, não podem ser pensados, quanto a sua otimização, apenas como financeiros. Temos que olhar com muito carinho para outros recursos que podem não ser tão escassos, como é o caso do tamanho e perfil do pessoal disponível, os equipamentos, as rotinas administrativas e os recursos políticos.
A motivação e o desempenho dos servidores públicos, bem como a modernização e adequação da estrutura administrativa são um mecanismo importante de melhoria no desempenho da gestão, como foi tratado no Eixo Gestão Ética, Democrática e Eficiente.
Democratização da Gestão Financeira
O tema da participação popular e cidadã e do controle social sobre a gestão foi mais aprofundado em Eixo próprio, mas é interessante abordá-lo novamente, com o foco especificamente no financiamento da ação pública e nas alternativas de enfrentamento da nova situação por que passam os municípios.
A priorização das ações da prefeitura, além de seu foco nos direitos de cidadania, deve buscar alternativas financeiramente mais eficientes e uma maior compreensão pública das questões que as envolvem. A postura da prefeitura, na discussão dessas questões com a sociedade, não pode ser apenas passiva, diante das demandas sociais que ali aparecem. É preciso também enfrentar a crise e promover uma profunda revisão na institucionalidade atual do federalismo fiscal.
Nossas políticas públicas precisam ser readequadas às condições possíveis de seu financiamento, obedecendo, muitas vezes, quando necessário, à lógica de revisão de seu conceito, bem como de busca de novas alternativas de enfrentamento das demandas públicas e de oferta de novos focos de atuação da prefeitura, que fortaleçam o avanço da cidadania. Essas mudanças de conceito implicam em discussões públicas que busquem alterações, inclusive culturais, de participação.
O tema do federalismo fiscal, no bojo do debate sobre reforma tributária, revisão e revogação da EC-95, discussão das atribuições dos entes federativos no desenvolvimento das políticas públicas, são também fundamentais. Estes assuntos, que transcendem os intramuros da municipalidade, precisam ser compreendidos e assumidos pela população.
A Prefeita e o Prefeito como agentes políticos do fortalecimento da cidadania e das finanças públicas
Além dos recursos financeiros, humanos e técnico-administrativos, há que se atentar muito fortemente para outro recurso para o qual se tem dado costumeiramente pouca importância, que é o político, fundamental para a situação de crise por que passa a gestão pública municipal.
Prefeitos e prefeitas devem considerar que pessoas ou instituições também têm incidência sobre o desenvolvimento da gestão municipal. A articulação desses atores e a criação de mecanismos de coordenação das iniciativas da prefeitura com as ações desenvolvidas por aqueles, pode potencializar e democratizar a gestão da cidade.
Além disso, os principais fatores que incidem sobre a receita e a despesa das prefeituras têm sua definição fora do âmbito municipal, da mesma forma que muitos dos aspectos de afirmação dos direitos de cidadania e de combate à tentativa de seu desmonte. As definições sobre o papel do Estado e do caráter das políticas públicas têm também um locus extramunicipal, mas incidem localmente. Nossos prefeitos e nossas prefeitas não podem, assim, furtar-se a seu papel relevante como dirigentes políticos.
A articulação, com caráter nacional, para a revogação da Emenda Constitucional 95/2016 torna-se fundamental para a melhoria da situação das despesas públicas. Não se trata de pregar a desconformidade fiscal, mas de equacioná-la de outra maneira. A projeção dos efeitos dessa Emenda Constitucional pode ser vislumbrada como catastrófica.
Desenvolvem-se em Brasília, também, as proposições e decisões nas áreas do federalismo fiscal, como é o decorrente da tramitação das distintas propostas de Reforma Tributária em debate no Congresso.
Os diferentes projetos de lei têm em comum o fato de não avançarem na direção de maior descentralização de recursos e fortalecimento da Federação. As distintas propostas de reforma existentes caminham muito mais na direção da simplificação tributária para as empresas e negócios, além de possuírem, algumas delas, elemento de desoneração dos negócios privados, provocando, também, maior centralização no governo federal.
Muita coisa ali depende da ação política dos diferentes interesses em jogo: os impactos socioeconômicos das alterações, ampliando ou reduzindo a progressividade dos tributos existentes; o poder de tributação por parte de cada um dos três entes federativos; o local de incidência, se na origem ou no destino; as regras de repartição dos mesmos entre os entes; os impactos sobre a economia e a competitividade. Também a discussão sobre as regras de transição entre o sistema tributário atual e as novas regras precisa de um forte processo de negociação, de forma a que não se inviabilizem entes federativos com mudanças demasiado bruscas em suas finanças disponíveis. A definição das normas das distintas políticas públicas que têm incidência sobre os municípios e seu financiamento, como são os casos da saúde, da educação, do saneamento básico, da habitação, da mobilidade urbana, entre outras, é também matéria que afeta fortemente os municípios, mas que se desenvolve e se decide em Brasília.
Tudo isso mostra a enorme importância de as prefeituras se organizarem em torno de suas entidades representativas nacionais, trabalhando no sentido de que elas não sejam somente reflexivas, passivas ou intermediárias de demandas. Elas não podem continuar sendo apenas ou principalmente entidades de caráter sindical. Essas entidades de representação precisam ser meios de ação e pressão sobre o Congresso e o governo federal, na sedimentação dos municípios como a base do federalismo brasileiro.
Outra questão importante são as articulações supramunicipais. Trata-se da organização dos consórcios públicos, sejam eles voltados a uma política pública específica ou multifinalitários. Estes consórcios podem ser elementos facilitadores das lutas comuns de um certo grupo de municípios, no sentido da consecução da ação pública, bem como permitirem produzir escala econômica para compras coletivas, barateamento de serviços e sua efetivação. Em áreas conurbadas, políticas como mobilidade urbana, saneamento, saúde e outras, podem ser mais bem resolvidas nessa ação coletiva entre distintos municípios.
O impacto dessa atuação política supramunicipal nas finanças públicas, na ampliação e melhora de sua ação é muito importante no atual momento por que passamos.
1Dívidas oriunda das condenações transitadas em julgado nos casos de questionamentos por parte de credores que se consideraram lesados pelo Poder Público, seja em casos de desapropriações, de reajustes de preços, ou direitos trabalhistas.^
2Definidas pelo FIBGE, como sendo retas perpendiculares a linhas tangentes do ponto de divisa entre dois municípios, de modo a definir a localização da exploração da jazida de petróleo. Conforme o litoral seja côncavo ou convexo, mais aberto ou mais fechado, será o ângulo da projeção ortogonal, ampliando ou reduzindo o mar territorial do município ou estado e, consequentemente, sua participação na distribuição dos royalties.^