s

Para acessar a área restrita use suas credenciais da Área PT

 Login

Em Pauta: Combate ao Racismo

Notícias

História do Movimento Negro no Brasil

28 de setembro de 2016

Ori significa “CABEÇA – consciência negra na sua relação com o tempo, a história e a memória. Ori, a palavra de origem yorubá (povo da África Ocidental)
NASCIMENTO, Beatriz Maria do. Ori. Um filme de Raquel Gerber, Brasil, 1988.

A essência da cultura de matriz africana é o seu princípio dinâmico. Nas culturas negras reterritorializadas no Brasil pelas tradições das sociedades tradicionais africanas dos povos bantus, nagô-yorubás e jejes, a força vital é o axé que produz um sentido para a nossa existência no mundo. Para os bantos, por exemplo, ser é força.

Esta visão de mundo tem interpretação absolutamente diferente da concepção judaico-cristã sobre a relação entre a vida, o ser humano, a natureza e os deuses.

Na cultura negra o axé é força vital, sem a qual, segundo a cosmogonia nagô, os seres não poderiam ter existência nem transformação. (…) O axé, existe nos animais, minerais, plantas, seres humanos (vivos e mortos), mas não como algo imanente: é preciso o contato de dois seres para a sua formação. E sendo força, mantém-se, cresce, diminui, transmite-se em função da relação (ontológica) do indivíduo com os princípios cósmicos (orixás), com os irmãos de linhagem, com os ancestrais, com os descendentes”.2 (SODRÉ, 1983)

Os homens e mulheres negras no Brasil descendem principalmente dos os étnicos africanos conhecidos por Nagôs, Jejes, Yorubás, e por inúmeros grupos étnicos da família linguística Bantu e por isso mesmo, compartilham e comungam influências culturais e civilizatórias transmitidas por seus ancestrais para aqui, nas terras brasileiras, recriar novas percepções e interpretações sobre a origem da criação do mundo e as forças que o regem, o que se denomina como cultura afro-brasileira.

Foi através da cultura que a população negra reagiu a opressão da escravidão. Resistiu e preservou a vida recriando o conhecimento ancestral e o saber cotidiano através de referências de mútuo reconhecimento e a solidariedade frente a um modelo de sociedade distante da terra natal, estranha, hostil, extremamente violenta, baseada na dominação do mais forte, no trabalho agrícola, na religião católica de inspiração judaico-cristã e na disputa por riqueza material de natureza mercantil. Essas bases determinaram a fonte permanente de resistência expressa pelas culturas negras no Brasil.

Todavia, dentre as práticas culturais e sociais, cuja referencia é a África, a religião – entendida como a forma de conceber e se relacionar com o sagrado – foi a maior expressão da resistência, por que é a guardiã de um importante acervo cultural – identidade étnica, lingüística e comportamental – fator de coesão, equilíbrio psíquico e social da população negra, quer diante da “coisificação” imposta pela mentalidade escravocrata, quer diante do “racismo à brasileira”, tipificado como cordial, naturalizado, dinâmico, eficaz e complexo.

A movimentação histórica da consciência negra, a cada época, implicou, na articulação entre a necessidade subjetiva de reinterpretação da mentalidade escravocrata vigente, da participação histórica negada e da critica aos pressupostos teóricos etnocêntricos dominantes, que em conjunto com a ação objetiva das lutas de resistência resultou no que denominamos de Movimento Negro Contemporâneo.

A consciência negra é a busca da nossa memória histórica e ação política destinada à desconstrução do racismo como opressão especifica. O vir a ser da consciência negra no Brasil nos remete a vários processos de compreensão e reconstrução da identidade étnico-racial e das condições sociais de existência. Isso implica olhar para dentro de nós e cutucar as feridas provocadas pelo trafico transatlântico dos africanos, a coerção do trabalho, os castigos da escravidão e os mecanismos de exclusão sistemática e intrínseca as relações econômicas e sociais no capitalismo.

… devemos fazer a nossa História buscando a nós mesmos, jogando nosso inconsciente, nossas frustrações, nossos complexos, estudando-os, negando-os. Só assim poderemos nos fazer entender, fazer-nos aceitar como somos, antes de qualquer coisa, pretos e brasileiros, sem sermos confundidos com americanos ou africanos, pois nossa história é outra, como é outra nossa problemática…3 (NASCIMENTO, B., 1978).

O movimento pela “consciência negra” não é apenas a busca da identidade africana, cotidianamente negada, é a incessante busca de uma identidade negra brasileira que se constrói desde o processo da resistência a escravidão colonial até a luta contemporânea contra o racismo que emergiu na cena política nacional dos anos de 1970.

Essa busca forjou a existência do Movimento Negro Brasileiro e seu papel histórico: oferecer à sociedade brasileira a chave da compreensão da realidade da população negra, e, apontar como ocorrera sua integração na nação brasileira, principalmente nos períodos qualitativos da formação social brasileira.

É essa peculiaridade que marca a profunda diferença entre o Movimento Negro Brasileiro e o conjunto dos demais movimentos sociais e populares que emergiram no Brasil no início da década de 1970. Vejamos essa a historia.


2- SODRÉ, Muniz. A verdade seduzida: por um conceito de cultura no Brasil. Rio de Janeiro, Codecri, 1983.

3. NASCIMENTO, Beatriz Maria do. Jornal do Brasil, 13 de maio de 1978.

0 comentários