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Em Pauta: Reforma Política

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Um sistema melhor, mas longe do ideal

05 de junho de 2013

O PT e a centro-esquerda poderão ser hegemônicos nos rumos da reforma, mas é necessário politizar o debate e ampliar os espaços públicos de discussão como forma de afirmar a ideia de República e aprofundar a democracia

O debate sobre a necessidade de uma reforma política está na agenda pública de nosso país desde pelo menos a promulgação da nova Constituição, em 1988. Até agora, entretanto, não foi possível constituir uma maioria sólida capaz de efetivar mudanças no regramento eleitoral brasileiro, a não ser aquelas impostas por interesses muito conjunturais, como a extensão do mandato presidencial, durante o governo Sarney, e a introdução da reeleição através de uma emenda constitucional, aprovada de maneira muito questionável, no primeiro governo de Fernando Henrique Cardoso.

Uma das explicações para a falta de resolubilidade desse tema no âmbito do Congresso Nacional está relacionada com o paradoxo identificado por Renato Janine Ribeiro em artigo sobre o tema do financiamento de campanha. Segundo o filósofo, “o paradoxo do presente debate brasileiro é que a reforma política, aqui, não é uma questão política”. Explica que, no Brasil, o tema nem ganhou relevância na opinião pública, nem está relacionado com as divisões próprias dos partidos políticos.1

É verdade que, desde a manifestação de Janine Ribeiro, o contexto dessa discussão mudou e a ideia da reforma política (que talvez devêssemos chamar de reforma eleitoral) ganhou adeptos entre os partidos e entre representações importantes da opinião pública. Se isso é resultado de uma crescente hegemonia do PT e da centro-esquerda sobre os destinos do país, veremos no decorrer do processo. O importante é que é preciso politizar esse debate, dando-lhe solidez político-ideológica e ampliando o espaço público da discussão. Só assim alguma reforma poderá, efetivamente, ocorrer.

Digo alguma porque, já está claro, a reforma política não é algo positivo em si mesmo, podendo, por exemplo, introduzir um sistema de representação majoritário, através dos distritos, o que prejudicaria significativamente a ideia que temos de representação plural da sociedade. Também está claro, creio, que não buscamos uma reforma que perenize o sistema político, que instaure um sistema perfeito, imutável e eterno. Queremos uma reforma que incida sobre os principais problemas do sistema político brasileiro, melhorando os instrumentos da representação política, consolidando e ampliando o processo democrático e auxiliando a população no alcance de níveis mais elevados de maturidade política.

Esse pressuposto, imagino, deve orientar nossa tática política para a definição de alguns pontos específicos que, alterados, contribuirão para um sistema político mais moderno, representativo e democrático. A partir daí, será necessário, então, buscarmos condições de maioria, para obter o ponto máximo de proximidade desse nosso projeto de reforma. Digo isso porque a conjuntura e a correlação de forças no Congresso impõem às forças progressistas uma conduta de negociação para chegar a um sistema político melhor que o atual, mas não o que consideramos ideal.

Democrático e republicano

O sistema político que queremos construir deve, basicamente, afirmar a ideia da República e aprofundar a democracia, através da qualificação da relação entre representantes e representados. Nesse sentido, entendo que devemos estabelecer como pontos focais: financiamento público de campanha, voto em lista fechada, fidelidade partidária e fim das coligações proporcionais.

O financiamento público de campanha é uma necessidade fundamental para democratizar nosso processo político. O modelo do financiamento híbrido, com ênfase no financiamento privado, origina distorções relevantes na representação política, facilita a ação do poder econômico, incentivando relações de interdependência, e às vezes até de promiscuidade, entre parlamentares e determinados interesses privados, e cria injustiças em um processo de competição que deveria ser baseado em regras equânimes.

Como sabemos, os partidos e os indivíduos têm acesso diferenciado aos recursos privados. Em tese, os setores sociais mais abastados tendem a privilegiar as ideias políticas e os projetos de governo que salvaguardem seus interesses. Isso não é ilegítimo. O problema é que, em um sistema político em que o voto é nominal e aberto, essa relação “interessada” tende a se sobrepor aos aspectos políticos e ideológicos da representação e o parlamentar pode se transformar em um delegado de determinados interesses muito específicos no Parlamento. A tendência à despolitização desse mecanismo é clara, o que acaba por impor uma lógica que corroi a própria ideia da representação, e, portanto, a democracia.

Mas não é só isso. O financiamento público evitará que, por meio de mecanismos de contrapartida à conquista de grandes contratos, o governo possa exercer qualquer pressão sobre empresas para que contribuam com os candidatos por ele escolhidos – o que, obviamente, favorece aqueles que estão no exercício do poder e os partidos. Assim, tornará mais equilibrado o jogo eleitoral, estabelecendo condições mínimas de participação e um teto de recursos a serem investidos nos partidos, de acordo com sua real representação. Um dos efeitos secundários, mas de extrema importância, será o barateamento das campanhas, já que serão regradas por tetos que diminuirão muito a competição de caráter puramente financeiro.

Obviamente, o funcionamento desse sistema exigirá mecanismos sólidos de transparência e fiscalização e penalidades rigorosas para quem burlar a legislação, com captação ilegal de recursos públicos ou privados. O fato é que teríamos uma campanha eleitoral mais igualitária, mais barata, que tenderia a valorizar os aspectos racionais da disputa, em vez de investir em técnicas caríssimas de marketing eleitoral.

Fortalecimento dos partidos

A ideia do voto em lista põe em discussão, na verdade, dois temas que relacionados: a oposição entre voto proporcional e majoritário e a questão da lista preordenada pelos partidos ou da lista aberta. Existem experiências de democracias modernas que funcionam com os dois sistemas. No Brasil o voto é proporcional e uninominal, quer dizer, o eleitor vota em um candidato que compõe uma lista apresentada pelo partido e seu voto conta para a composição do espaço que o partido vai conquistar com a soma total de seus votos.

Esse sistema é positivo por um lado, ao garantir a pluralidade de pensamentos políticos no Parlamento, pelo critério de composição proporcional da representação2. E negativo por outro, já que o voto uninominal personaliza a escolha e, portanto, não ajuda a consolidar a relação do eleitor com o partido, que é o instrumento próprio de mediação entre o cidadão e o Estado.

A proporcionalidade na eleição dos parlamentares é um elemento-chave para a democracia. O voto distrital deixa, muitas vezes, fora da representação a maioria da população. Nesse sistema, se concorrem três candidatos, por exemplo, cada um representando um partido, o A pode fazer 35%, o B, 33% e o C, 32%. Nesse caso, 65% da população não estaria representada no Parlamento, pois em cada distrito são considerados apenas os votos do candidato vencedor. Os demais seriam perdidos. Essa distorção causada pelo voto majoritário pode ser vista no sistema inglês, em que o Partido Liberal, nos últimos cinquenta anos, tem recebido em torno de 15% a 25% dos votos e oscila entre 4% e 5% das cadeiras do Parlamento.

Além disso, com a instituição do sistema distrital, o Brasil seria retalhado em 513 pedaços e cada um deles elegeria um representante. Isso geraria uma tendência de ação dos parlamentares muito focada nas questões dos distritos, e não nos grandes temas de interesse nacional. É o fenômeno apelidado de paroquialização da política.

Mas, se é verdade que o sistema proporcional é imprescindível para garantir uma democracia plural, o voto em lista é decisivo para fortalecer os partidos e construir uma nova política no Brasil, baseada na disputa de ideias e fundada na adesão a programas políticos. Hoje, mais de 80% dos eleitores esquecem em quem votaram poucos meses depois. Ocorre que o sistema de votos uninominal engendra uma relação pouco orgânica entre o eleitor e o candidato, o que gera uma verdadeira alienação do eleitor. Como não sabe em quem depositou seu voto, não saberá de quem cobrar a representação. Esta fica diluída em uma relação personalista e individual, que não permite a constituição de formas de incidência do cidadão na própria representação. O efeito secundário disso é um afastamento do eleitor do Poder Legislativo, pois ele não se reconhece ali, enxergando os políticos longe dos interesses reais da população.

A ideia de que os partidos tendem a se oligarquizar com a instituição do voto em lista não se comprovou faticamente. Nos países em que ele existe, o nível de democracia dentro dos partidos é igual ou superior ao brasileiro. E a lista que sugerimos deve ser constituída através de voto secreto de todos os filiados, em prévias que garantam a proporcionalidade qualificada de todas as correntes internas em sua composição. A adoção de um mecanismo como esse só reforçará as estruturas partidárias, agregando filiados interessados em participar da composição das listas eleitorais e permitindo aos eleitores uma clara diferenciação política e ideológica para seu voto, além de, claro, permitir uma relação colaborativa entre os candidatos de um mesmo partido, o oposto do que ocorre hoje, em que há uma competição interna para ver quem será o mais votado e, com isso, garantir sua eleição.

Por último, rápidos argumentos a favor da fidelidade partidária e do fim das coligações proporcionais. Como fica evidente, trata-se de duas regras que estão totalmente relacionadas com a adoção do voto em lista e proporcional. Senão, vejamos:

A ideia da proporcionalidade é garantir a representação real de todas as forças políticas da sociedade em um pleito eleitoral. Quando ocorre coligação entre partidos no âmbito proporcional, ou seja, na eleição dos parlamentares, essa representação fica enviesada, criando problemas para a própria democracia. Muitas vezes, candidatos com características políticas e ideológicas muito diferentes se elegem por conta da performance de outros candidatos individualmente. Para garantir a manutenção de pequenos partidos ideológicos, existe a ideia das Federações de Partidos, que, entretanto, precisam estar comprometidas com um tempo mínimo de funcionamento para não se transformar em um mecanismo oportunista.

Já a fidelidade partidária é um princípio fundamental da regra democrática, uma vez que o partido, nesse contexto, é o depositário da representação, e não o parlamentar, individualmente. Esse debate é complexo e vem de longe. Está em jogo, nesse caso, a ideia de uma delegação ampla e aberta ou de uma delegação específica, que permite um controle rigoroso dos eleitores – senão de todos, pelo menos de uma gama de eleitores politizados, que participaram internamente da definição da lista.

O princípio da fidelidade partidária fortalece o partido como o instrumento de mediação com a política e com o Estado e, ao mesmo tempo, garante aos eleitores mecanismos de controle da delegação do mandatário. Ao aproximar o eleitor do eleito, através do partido, cujo objetivo é sempre ampliar sua representação e seus filiados, a obrigação da fidelidade estabelece vínculos orgânicos entre os deputados e os eleitores, sejam eles filiados ao partido ou não.

Henrique Fontana, deputado federal (PT-RS), relator da Comissão Especial da Reforma Política

Fonte: Revista Teoria e Debate – Edição 91
 

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