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A Escravidão na África

28 de setembro de 2016

“para continuar resistindo, os africanos submetidos ao cativeiro e seus descendentes tiveram que refazer tudo, refazer linguagens, refazer parentescos, refazer religiões, refazer encontros e celebrações, refazer solidariedades, refazer cultura. Esta foi a verdadeira Grande Refazenda”.

(Gilberto Gil, Pós CIAD – II ª Conferencia dos Intelectuais Africanos e da Diáspora. Brasília. Fundação Cultural Palmares, 2007)

Um escravo esta submetido a uma situação onde a pessoa não pode transitar livremente nem pode escolher o que vai fazer. O escravo deve fazer o que determina o seu senhor, pode ser castigado fisicamente e vendido caso o seu senhor assim ache necessário. O escravo não tem vontade e o seu tempo é do seu senhor ou do seu proprietário, situação na qual o escravo não é visto como membro da sociedade em que vive, mas como um ser inferior e sem direitos. Vista dessa forma, podemos considerar que a escravidão existiu em muitas sociedades africanas, bem antes dos europeus empreenderem a grande empresa comercial do tráfico de escravos pelo oceano Atlântico.

Desde a antiguidade que certos grupos de homens escravizaram outros homens, porque não eram vistos como seus semelhantes, mas sim como inimigos ou como seres inferiores. A maior fonte de escravos sempre foram as guerras, com os prisioneiros sendo postos a trabalhar ou sendo vendidos pelos vencedores. No entanto, um homem podia perder seus direitos como membro da sociedade por outros motivos, como condenação por transgressões e crimes cometidos, impossibilidade de pagar dívidas, ou mesmo de sobreviver pela simples falta de recursos.

Assim se caracterizava a escravidão na África, onde as pessoas entregavam-se como escravas a quem pudessem salvar a si e a sua família da morte pelo fato da falta de alimentos, provocada pela seca, pelo intenso processo de savanização e desertificação ou pelas pragas que arruinavam as colheitas das sociedades agricultoras.

Na antiguidade todo estrangeiro era passível de ser submetido à escravidão. Pensemos na Grécia e no processo de consolidação e expansão do império romano. Nas sociedades africanas estruturadas em torno dos chefes de linhagens de parentesco em aldeias ou federações de aldeias, podiam viver estrangeiros, capturados em guerras ou trocados por produtos como o sal e o cobre, que eram subordinados a um senhor e podiam ser chamados de escravos.

Nessas sociedades dava-se preferência às mulheres, que cultivavam a terra, preparavam os alimentos e tinham filhos. Os filhos das escravas com homens livres da família do seu senhor ou com ele mesmo geralmente não eram escravos. A princípio não tinham os mesmos direitos dos filhos das mulheres livres, trazendo a marca da escravidão, mas a cada geração esta ia diminuindo, até desaparecer. Ter escravo que aumentasse a capacidade de trabalho e de reprodução da família era uma forma de uma linhagem se fortalecer diante da outra.

Os escravos nas sociedades africanas podiam constituir castas como a dos tuaregues no norte da África que mineravam o sal ou encarregados de minerar o ouro como entre os povos Akãs no território de Gana. Outros podiam se destacar como condutores de caravana ou chefes militares, podiam se tornar poderosos, conquistar privilégios, acumular riquezas e mesmo possuir outros escravos sem, no entanto, deixarem de ser considerados como escravos, pelo simples fato de serem estrangeiros e não possuírem laços de parentesco ou de solidariedade na sociedade em que viviam, na qual só era reconhecido como membro na qualidade de subordinados a um senhor.

Esta situação era mais comum nas sociedades islamizadas, nas quais a escravidão se assemelhava à que existia no mundo árabe, como por exemplo, nos reinos do Sudão ocidental e nas cidades-estado da região do Sahel. A escravidão era mais presente nas capitais dos reinos, nas cidades-estado, e nos grandes centros de comércio, onde havia maior circulação de riquezas, maiores possibilidade de acumulação de bens e onde as diferenças entre os grupos sociais eram mais relevantes.

Os escravos integrados nas sociedades africanas islamizadas ou não, também eram uma mercadoria importante nas rotas de comércio do Saara e do Sahel. Obtidos por meio das guerras ou ataques a aldeias desprotegidas, eram negociados com os comerciantes que os levariam para o norte da África ou envidados para o outro lado do mar Mediterrâneo, ou iam, principalmente para a península Arábica, sendo preferidas as mulheres, especialmente as jovens e belas que poderiam alcançar preços elevadíssimos pagos por aqueles que desejavam tê-las entre suas esposas e arcar com o seu preço.

Assim é que quando os europeus chegaram à costa atlântica do continente africano, encontram as sociedades africanas assim estruturadas e ao se interessarem por escravos, abriu-se mais uma frente do comércio de seres humanos.

De todo modo, partimos do princípio de que a escravização de um ser humano por outro ser humano, seja qual for a razão, é sempre uma das formas mais cruéis de dominação na história da humanidade. Esta forma de opressão e exploração, que retira violentamente do ser humano o direito à sua dignidade inata, é odiosa e condenada por nós, sem apelo.

No seu percurso histórico, a África conheceu e estruturou diferentes formas de relações sociais, entre elas, diversos modelos de relações de trabalho e de produção baseados no trabalho servil escravo. As formas de escravidão em África foram tão variadas quanto complexas, tais como: doméstico-serviçal, burocrático-militar, ou econômico-produtor.

Conforme Carlos Moore (2005), as formas autóctones de escravidão que existiram no continente africano até o advento do Islã, no século IX, foram do tipo doméstico-serviçal, com pouca extensão para a esfera da produção econômica. Isso quer dizer que o trabalho escravo serviçal nunca chegou a uma situação de escravidão econômica generalizada e, muito menos, de escravidão racial, como aquela que predominou nos sistemas de plantations do Oriente Médio e, mais tarde, das Américas.

O importante é destacar que desde as primeiras sociedades estatais africanas construídas pelos povos do vale do rio Nilo até a chegada dos árabes no século VII e dos europeus no século XV, a condição de escravo correspondeu a uma categoria social entre várias outras, e não foi de nenhum modo nem socialmente dominante, nem demograficamente preponderante. Isso quer dizer que não houve no continente africano, um modo de produção dominante, sobre o qual se estruturasse o conjunto da sociedade, como foi o caso da Europa greco-romana, no Oriente Médio e nas Américas – baseado no trabalho escravo. (MOORE, 2005).

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